Em
1588, Armínio iniciou o ministério na igreja reformada de Amsterdã, aos 29 anos
de idade. Todos os relatos contam que seu pastorado foi ilustre. Conforme observa
certo biógrafo: “Armínio se tornou o primeiro pastor holandês da igreja
reformada holandesa da maior cidade da Holanda, exatamente quando ela estava
emergindo de seu passado medieval e irrompendo na Idade de Ouro”. Era
notadamente benquisto e respeitado, tanto como pastor quanto como pregador, e
rapidamente se tornou um dos homens mais influentes de toda a Holanda. Casou-se
com a filha de um dos principais cidadãos de Amsterdã e entrou para o grupo dos
privilegiados e poderosos. Nem por isso demonstrou qualquer indício de
arrogância ou ambição. Nem sequer seus críticos ousaram acusá-lo de abusar de
seu cargo pastoral ou de qualquer outra falha pessoal ou espiritual. Acabaram
acusando-o de heresia somente porque, como pastor de uma das igrejas mais influentes
da Holanda, começou a criticar abertamente o supralapsarismo que entrou em
ascensão conforme cada vez mais ministros holandeses retornaram de seus estudos
em Genebra sob a direção de Beza. Armínio era da “escola amiga” do
protestantismo holandês de mentalidade independente, que se recusava a declarar
como ortodoxo qualquer ramo específico da teologia protestante. Alguns, no
entanto, insistiam cada vez mais que o supralapsarismo era a única teologia
protestante ortodoxa e que qualquer outra opinião significava, de alguma forma,
uma acomodação à teologia católica romana e, portanto, era uma aliada em
potencial da Espanha, inimiga política dos Países Baixos.
Na
década de 1590, o conflito entre Armínio e os calvinistas rígidos da Holanda se
tornou cada vez pior. Alguns estudiosos sugerem que Armínio mudou de opinião
nesse período. Acreditam que tinha sido um “hipercalvinista” ou mesmo um
supralapsário. Essa suposição parece ter se fundamentado simplesmente no fato
de ele ter sido aluno de Beza. O principal intérprete moderno de Armínio
contradiz a ideia da alegada mudança de opinião de Armínio: “Todas as
evidências levam a uma só conclusão: Armínio não concordava com a doutrina de
Beza sobre a predestinação, quando assumiu o seu ministério em Amsterdã; na
realidade, é provável que nunca tenha concordado com ela”. Na série de sermões
sobre a Epístola de Paulo aos romanos, o jovem pregador começou a negar
abertamente não somente o supralapsarismo, mas também a eleição incondicional e
a graça irresistível. Interpretou Romanos 9, por exemplo, como uma referência
não a indivíduos, mas a classes – crentes e incrédulos – conforme predestinadas
por Deus. Afirmou que o livre-arbítrio dos indivíduos os incluía nas classes de
“eleitos” e de “réprobos” e explicou a predestinação como a presciência divina
acerca da livre escolha dos indivíduos. Para apoiar essa ideia, Armínio apelou
a Romanos 8.29. Conforme observa o biógrafo e intérprete de Armínio, Carl
Bangs, o teólogo holandês demonstrou, em seus sermões da década de 1590, o
desejo de encontrar o equilíbrio entre a graça soberana e o livre-arbítrio
humano: “o objetivo era uma teologia da graça, que não deixasse o homem ‘entre
a cruz e o punhal’”.
Os
rígidos oponentes calvinistas de Armínio em Amsterdã e outros lugares não
tardaram em farejar o pavoroso erro de sinergismo em sua pregação e ensino e,
publicamente, acusaram-no de heresia para os oficiais da igreja e da cidade,
que examinaram a questão e inocentaram Armínio das acusações. Armínio apelou à
tradição protestante holandesa da independência dos sistemas teológicos
específicos e à tolerância de diversidade nos pormenores da doutrina. Os
oficiais concordaram. Os oponentes supralapsários de Armínio ressentiram-se e
decidiram que o arruinariam de qualquer maneira. Sofreram uma derrota fragorosa
quando Armínio foi nomeado para ocupar a prestigiosa cátedra de teologia na
Universidade de Leiden em 1603. O outro catedrático de teologia daquele período
era Francisco Gomaro, que talvez tenha sido o calvinista supralapsário mais
franco e rígido de toda a Europa. Gomaro, além de considerar todas as outras
opiniões, inclusive o infralapsarismo, falhas ou até heréticas, “tinha, segundo
quase todos os relatos a seu respeito, um temperamento extremamente irascível”.
Quase
que imediatamente, Gomaro iniciou uma campanha de acusações contra Armínio.
Algumas delas eram verídicas. Por exemplo, Armínio não escondia a rejeição não
somente do supralapsarismo, mas também da doutrina clássica calvinista da
predestinação como um todo. Gomaro distorceu esse fato e, publicamente e por
trás das costas de Armínio, insinuou que ele era um simpatizante secreto dos
jesuítas – uma ordem de sacerdotes católicos romanos especialmente temida que
era chamada “tropa de choque da Contra Reforma”. Essa alegação de Gomaro, assim
como outras, era claramente falsa. Por exemplo, Gomaro acusou Armínio de
socinianismo, que era uma negação da Trindade e de quase todas as demais
doutrinas cristãs clássicas. Não importa o que Armínio escrevesse ou dissesse
em sua defesa, via-se constantemente atacado por boatos e sob suspeita. “Quando
a controvérsia ultrapassou os limites das salas acadêmicas e chegou aos
púlpitos e às ruas, suas defesas perderam o efeito. Era mais fácil chegar à
conclusão de que ‘onde há fumaça, há fogo’”. A controvérsia cresceu a ponto de
provocar uma guerra civil entre as províncias dos Países Baixos. Algumas
apoiavam Armínio, outras apoiavam Gomaro. O conflito eclodiu em 1604, quando
Gomaro, pela primeira vez, acusou Armínio abertamente de heresia e durou até a
morte de Armínio por causa de tuberculose em 1609. Quando morreu, sua teologia
estava sob a inquisição pública de líderes religiosos e políticos. Em seu
enterro, um de seus amigos mais íntimos fez o discurso fúnebre diante do corpo
de Armínio: “Viveu na Holanda um homem que só não era conhecido por quem não o
estimava suficientemente e só não o estimava quem não o conhecia
suficientemente”.
Depois da morte de Armínio, quarenta e seis
ministros e leigos holandeses respeitados redigiram um documento chamado
“Remonstrância” que resumia a rejeição, por Armínio e por eles mesmos, do
calvinismo rígido em cinco pontos. Graças ao título do documento, os arminianos
passaram a ser chamados de remonstrantes. Entre eles, estavam os estadistas e
líderes políticos holandeses que tinham ajudado a libertar os Países Baixos da
Espanha. Seus inimigos acusavam-nos de apoiar secretamente os jesuítas e a
teologia católica romana, e de simpatizar com a Espanha, só porque concordavam
com a oposição de Armínio a respeito das doutrinas da predestinação! Não existe
nenhuma evidência de que qualquer um deles realmente tivesse alguma culpa em
relação às acusações políticas feitas contra eles. Mesmo assim, ocorreram
tumultos em várias cidades holandesas, nos quais foram pregados sermões contra
os remonstrantes e distribuídos panfletos que os difamavam como hereges e
traidores. Finalmente, o grande poder político dos Países Baixos, o príncipe Maurício
de Nassau, entrou na luta em favor dos calvinistas. Em 1618, ordenou a detenção
e o encarceramento dos principais arminianos, para aguardar o resultado do
sínodo nacional de teólogos e pregadores. O Sínodo de Dort entrou em sessão em
novembro de 1618 e foi encerrado em janeiro de 1619, contando com a presença de
mais de cem delegados, inclusive alguns da Inglaterra, da Escócia, da França e
da Suíça. “João Bogerman, um pregador calvinista com opiniões extremadas, que
havia defendido em um documento a pena de morte por heresia, foi escolhido como
presidente”.
Como
esperado, a despeito das eloquentes defesas do Arminianismo feitas pelos
principais remonstrantes, na conclusão do sínodo, todos os líderes
remonstrantes foram condenados como hereges. Pelo menos duzentos foram depostos
do ministério da igreja e do estado e cerca de oitenta foram exilados ou
presos. Um deles, o presbítero, estadista e filósofo Hugo Grotius (1583-1645),
foi confinado em uma masmorra da qual posteriormente escapou. Outro estadista
foi publicamente decapitado. Um historiador moderno da controvérsia concluiu
que “o modo de [o príncipe] Maurício tratar os estadistas arminianos só pode
ser considerado um dos grandes crimes da História”.
O
Sínodo de Dort promulgou um conjunto de doutrinas padronizadas para a igreja
reformada holandesa, que se tornou a base do acrônimo TULIP. Cada cânon,
conforme eram chamadas as doutrinas, baseava-se em um dos cinco pontos da
“Remonstrância”. As coisas que os arminianos negavam, Dort canonizou como
doutrina oficial, obrigatória para todos os crentes protestantes reformados.
Não arbitrou, no entanto, sobre o supralapsarismo e o infralapsarismo e, desde
então, as duas teorias continuaram dentro do consenso calvinista expresso pelo
Sínodo de Dort. Após a morte do príncipe
Maurício em 1625, o arminianismo
gradualmente voltou a fazer parte da vida holandesa. Já em 1634, muitos
exilados voltaram e organizaram a Fraternidade Remonstrante, que cresceu e
formou a Igreja Reformada Remonstrante, que ainda existe. Não foi nos Países
Baixos, no entanto, que a teologia arminiana causou maior impacto. Isso
aconteceu na Inglaterra e na América do Norte pela influência de destacados
ministros anglicanos, batistas gerais, metodistas e ministros de outras seitas
e denominações que surgiram nos séculos XVII e XVIII. João Wesley (1703-1791)
tornou-se o arminiano mais influente de todos os tempos. Seu movimento
metodista adotou o arminianismo como teologia oficial e, através dele,
tornou-se parte da tendência prevalecente na vida protestante da Grã-Bretanha e
da América do Norte.
Fonte: http://arminianismo.wordpress.com/
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