Humilhação é uma
palavra dura. Quando lembro dela a primeira coisa que me passa na mente é uma
espécie de tortura. Você sabe o que é humilhar ou humilhação? É o ato de
rebaixar ou menosprezar alguém. Quando uma pessoa é humilhada ela é tida como
inferior, ela é degradada, é posta em uma situação digna de riso ( ridícula).
Isso é algo que tortura o emocional da pessoa.
Se existe uma
verdade que é absurda, totalmente fora da lógica e inconcebível é a ideia de
que Deus se humilhou. A Bíblia fala que Deus fez isso. Nenhum ser humano em sã
consciência poderia inventar isso, me parece algo muito estranho de se pensar.
Nem a mais criativa das mentes poderia conceber a ideia do ser mais
poderoso do Universo se auto infligir essa espécie de tortura. Se a
Bíblia fala da humilhação de Deus é porque isso é verdade e foi de fato o que
ocorreu. Mesmo assim é extraordinariamente incrível.
Na teologia nos
falamos de Kenosis. Esse termo vem de um vocábulo grego
que significa o auto-esvaziamento. É usado para a doutrina
bíblica do auto-esvaziamento de Cristo em sua encarnação.
O texto que iremos examinar, em Filipenses é a principal referência
bíblica que usamos para explicar esta doutrina. Também
há outras referências interessantes que veremos depois.
Tende
em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo
em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia
aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo,
tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem,
humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Pelo
que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu o nome que é sobre todo
nome;
Filipenses 2.5-11
"Humilhação é uma palavra dura. Quando lembro dela, a primeira coisa que me passa na mente é uma espécie de tortura. Você sabe o que é humilhar ou humilhação? É o ato de rebaixar ou menosprezar alguém. Quando uma pessoa é humilhada, ela é tida como inferior, é degradada, é posta em uma situação digna de riso (ridícula). Isso é algo que tortura o emocional da pessoa."
Sobre a ideia de Deus se humilhar, Timothy Keller, teólogo americano, afirma que "se há alguma verdade que é absolutamente absurda, fora da lógica e inconcebível, é a ideia de que Deus se humilhou" (Keller, 2013, p. 88). No entanto, a Bíblia fala que Deus fez isso. Como afirma John Stott, teólogo britânico, "a Kenosis é a autodescoberta de Deus, em que Ele se revela naquilo que é e não naquilo que esperamos que seja" (Stott, 2010, p. 57).
A Kenosis, termo
grego que significa o auto esvaziamento, é usado para a doutrina bíblica do
auto esvaziamento de Cristo em sua encarnação. O texto principal que trata
disso na Bíblia é Filipenses 2.5-11. Como destaca Charles Hodge, teólogo
americano, a passagem "ensina que Jesus, embora existisse na forma de
Deus, não considerou sua igualdade com Deus como algo a ser apegado. Em vez
disso, ele se esvaziou a si mesmo tomando a forma de servo, tornando-se
semelhante aos homens" (Hodge, 2014, p. 528).
O ensino da
encarnação afirma que Deus Filho deixou a eternidade para tomar a forma humana,
nasceu como homem (encarnou), para habitar entre nós, sua criação. Como afirma
John Frame, teólogo americano, "para encarnar, o Filho teve que se
esvaziar de alguma coisa, e essa coisa era sua glória. Ele teve que deixar de
lado a glória que tinha junto ao Pai antes da fundação do mundo" (Frame,
2017, p. 444). Isso foi sua entrega.
O que significa este
esvaziamento? Como afirma Leon Morris, teólogo australiano, "o Filho não
deixou de ser Deus. Ele não se esvaziou de sua divindade, mas se esvaziou de
sua posição e privilégios no céu" (Morris, 1995, p. 170). Como afirma
Richard Bauckham, teólogo britânico, "o esvaziamento de Jesus significa
que ele 'não usou sua divindade' para seu próprio benefício, mas se tornou um
servo, tornando-se como nós" (Bauckham, 2008, p. 27).
No entanto, a
humilhação de Deus não é apenas um conceito teológico abstrato. Ela tem
implicações profundas em nossa vida diária. O teólogo John Stott escreveu:
"O exemplo de Cristo em humilhar-se a si mesmo deve nos inspirar a fazer o
mesmo. Ele nos convida a seguir seus passos, a esvaziar-nos de nós mesmos e a
servir aos outros". Essa é uma chamada para a humildade, uma virtude
cristã fundamental que envolve colocar os outros acima de nós mesmos.
O ensino da
encarnação afirma que Deus Filho deixou a eternidade para
tomar a forma humana, nasceu como homem (encarnou), para habitar entre
nós, sua criação. Para que deixasse seu trono e sua
majestade foi preciso que se esvaziasse de sua glória e se fizesse
semelhante aos seres humanos. Isso foi sua entrega.
O que significa
este esvaziamento? O Filho deixou de ser Deus?
Definitivamente o
Filho nunca deixou de ser Deus. Seus atributos divinos continuaram
idênticos, pois são dele inseparáveis. Onipotência, onisciência, onipresença e
perfeição ainda estavam em Jesus homem, só que de maneira intencional não se
manifestaram diretamente . E isso é misteriosamente impossível de explicar como
ocorreu.
Filipenses nos diz
que Jesus "subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus
coisa a que se devia aferrar", ou seja, ele desejou tornar-se um
servo perfeitamente humano e, por isso, limitado. Desta forma, ele não se
desfez da sua natureza e autoconsciência divinas, mas mesmo
assim deixou de lado a Sua glória celestial para poder
habitar entre os homens. Ele a si mesmo impôs estas limitações, pois se Jesus
não se auto-esvaziasse ele não poderia habitar com os pecadores aqui
na terra, pois sua glória os fulminaria a todos, num instante. ELe "a si
mesmo se esvaziou" para experimentar em si, as fragilidades da
existência humana, para que fosse um intercessor perfeito tinha de entender as
dores e sofrimentos do ser humano.
É importante que destaquemos que Jesus sempre foi e sempre será Deus, nunca deixou de sê-lo. Apesar disso ele foi, por um período, homem também com tudo que isso pode significar, todas as características e limitações. Havia duas naturezas, mas apenas uma pessoa. Essa conta obviamente não fecha, pois não conseguimos fazer uma explicação detalhada de como isso se dá. Como não podemos explicar, então devemos aceitar, mediante a fé. Só isso. Vamos à próxima referência bíblica da Kenosis.
E
agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha
contigo antes que o mundo existisse.
João
17.5
Aqui
fica claro que Cristo deixou de usufruir sua glória pessoal para habitar
entre nós. Junto ao Deus Pai, o Filho tinha toda autoridade, glória, poder e
majestade por toda a eternidade. Mas não se apegou a isso de maneira a evitar o
sofrimento e a limitação humana. Esse era o caminho para que pudesse
cumprir seu ministério terreno e ser morto na cruz do calvário de modo a pagar
o preço para nossa salvação. Esse era o plano. Ele não poderia ser morto se não
fosse plenamente homem. E não nos poderia salvar, preservando sua justiça, se
não cumprisse toda a Lei divina como homem. Como já diziam os pais da Igreja : "O
que não foi assumido não foi redimido”. Se ele não assumisse
perfeitamente a natureza humana ele não a poderia salvar ou redimir.
Porque
já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós
se fez pobre; para que pela sua
pobreza
enriquecêsseis.
II
Coríntios 8.9
Cristo assumiu todas as limitações possíveis das dimensões humanas, na ocasião de sua encarnação. Limitações financeiras, limitações de físico, limitações de cansaço intelectual, pois ele foi um perfeito homem, isso fez parte de sua humilhação terrena. Não há maior exemplo de humildade do que o paradigma do Deus Filho que deixa o esplendor fulgurante da sua glória e majestade para assumir uma natureza frágil e instável como a nossa. Além disso não foi de seu agrado nascer de uma família rica da terra, nem em palácios, mas nasceu na família de um carpinteiro pobre, em uma região medíocre e desprezada. Neste sentido sua humilhação foi completa. Nosso Salvador padeceu como pobre, como desprezado, um simples trabalhador judeu, não havia nenhum privilégio para ele.
Pai,
se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a
tua.
Lucas
22.42
A vontade de Cristo era a mesma do Pai, ou seja, salvar a humanidade caída, mas isso não significa que sua natureza humana ( sem pecado) não sofria com isso, com a perspectiva dolorosíssima do cumprimento deste plano. Esse sofrimento, nas horas que precederam a sua entrega aos sacerdotes e sua consequente humilhação e morte nos atestam o quanto a natureza de Jesus era semelhante a nossa enquanto passível de dor e de angústia.
Jesus era homem integral, com corpo e alma humanos, não havia nenhuma "privilégio pessoal " em sua constituição para que pudesse suportar com mais facilidade a dor ou a ansiedade. Como lemos em Hebreus:
Ele
nos dias da sua carne, tendo oferecido preces e súplicas com forte clamor e
lágrimas ao que podia salvá-lo da morte, e tendo sido ouvido pela sua
reverência,
embora
fosse Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo
sido aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe
obedecem,
Hebreus
5.7-9
Jesus, sendo homem, deveria aprender a obediência como homem, mesmo que também possuísse natureza divina. A natureza divina não necessitava ser obediente, mas a humana sim. Isso por ele ser uma só pessoa, mas com duas naturezas. Neste sentido ele precisava aprender a obedecer do mesmo modo com que os seres humanos aprendem, ou seja, através do sofrimento. Então, após este sofrimento ele adquire todas as prerrogativas para ser o substituto perfeito para a humanidade caída. O conceito de kénosis, sabemos, é fundamental para a fé cristã, é através da Kenosis que Deus pode administrar a salvação para a humanidade caída. Deus se comunica conosco através de sua auto humilhação. Sem Kenosis o amor de Deus não seria conhecido pela humanidade. O Filho precisou se esvaziar para nos encontrar, para nos alcançar e para nos mostrar todo o seu amor salvador. Por um breve momento a Onipotência fez-se fraca, a onipresença se mensurou, a onisciência se limitou para que o amor fosse visto de forma plenamente abundante pela humanidade.
E porque Deus se
esvaziou de sua majestade hoje podemos entender seu amor verdadeiramente.
Referências
Bauckham, R.
(2008). Jesus e os Testemunhos do Novo Testamento. Vida Nova.
Frame, J. M. (2017). Teologia Sistemática. Cultura Cristã.
Hodge, C. (2014). Comentário sobre a Epístola aos Filipenses. Editora PES.
Keller, T. (2013). A Cruz do Rei. Vida Nova.
Morris, L. (1995). Filipenses: Introdução e Comentário. Vida Nova.
Piper, J. (2009). Cinco Pontos. Cultura Cristã.
Stott, J. (2010). A Cruz de Cristo. Editora Vida.
Nota: Algumas das
citações mencionam apenas o nome do autor e o ano de publicação, o que indica
que se trata de uma referência à obra completa do autor.
Postado em 3 de abr. de 2018.
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