A CONFISSÃO DE FÉ
DA GUANABARA (1558)
Contexto Histórico
A Confissão de fé da Guanabara ou ou Confissão Fluminense foi o
primeiro documento contendo um uma declaração de fé reformada em terras
americanas.
Nicolas
Durand de Villegaignon, chegou às terras da Baía da Guanabara, hoje estado do
Rio de Janeiro em 1555,
para fundar a Frnaça Antárica.Desembarcara com franceses dispostos a fixar residência no Novo Mundo.
Villegaignon
solicitou a João Calvino e
a igreja de Genebra que
enviassem cristão reformados para estabelecerem e fundamentarem o
protestantismo nestas terras.
Dois anos
depois no dia 7 de março de 1557 aportaram os calvinistas franceses e em 10 de
março de 1557, esses reformados celebraram o primeiro culto evangélico do
Brasil e no dia 21 de março celebraram a primeira Santa Ceia.
Porém ,
Willegaignon mostrou-se
arredio às diversas práticas reformadas de liturgia em especial a Santa Ceia
,praticadas pelos reformados. Desta forma os expulsou, para que voltassem à
Europa.
Devido a
maus tempos e tempestades que se levantaram contra a embarcação, cinco
huguenotes (assim chamados os reformados franceses) voltassem para buscar
auxilio de Nicolas Durand de Villegaignon. Mas ao invés de receberem auxilio ,
Jean du Bordel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques le
Balleur, os cinco que retornaram foram presos pelo almirante.
Villegaignon,
deu-lhes 12 horas para expressarem a sua fé respondendo a questionamentos que
lhe haviam sido feitos.
Foi desta
sua expressão de fé que nasceu a "Confissão
de Fé da Guanabara" (1558). A resposta, escrita com tinta de pau-brasil
pelo leigo Jean de Bourdel. Dos 5 cinco reformados signatários do documento só
sobreviveu André Lafon, sendo todos os outros mortos em terras brasileiras.
A
confissão, escrita originalmente em latim, tem a forma de um credo divididos em dezessete parágrafos de diferentes
tamanhos. É um documento “escrito com sangue” dos primeiros mártires reformados
em terras americanas.
Confissão de fé da Guanabara
Segundo a doutrina
de S. Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os cristãos devem estar
sempre prontos para dar razão da esperança que neles há, e isso com toda a
doçura e benignidade, nós abaixo assinados, Senhor de Villegaignon,
unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem concedido) damos
razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e começando no
primeiro artigo:
I. Cremos em um só
Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas as coisas,
tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o
Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em
essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o
Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo, se
manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da
virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de
que recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do
Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos profetas,
sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Cristo aos
apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e
perseverança em todo bem.
Cremos que é mister
somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade de Deus em fé
ou particularmente.
II. Adorando nosso
Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra, confessando as duas
naturezas, a saber, divina e humana nele inseparáveis.
III. Cremos, quanto
ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a Palavra de Deus e a doutrina
apostólica, e o símbolo,[3] nos ensinam.
IV. Cremos que
nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, em forma visível e
humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em que nos predisse no
capítulo vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de julgar, a Ele dado pelo
Pai, sendo homem.
E, quanto ao que
dizemos em nossas orações, que o Pai aparecerá enfim na pessoa do Filho,
entendemos por isso que o poder do Pai, dado ao Filho, será manifestado no dito
juízo, não todavia que queiramos confundir as pessoas, sabendo que elas são
realmente distintas uma da outra.
V. Cremos que no
santíssimo sacramento da ceia, com as figuras corporais do pão e do vinho, as
almas fiéis são realmente e de fato alimentadas com a própria substância do
nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são alimentados de alimentos, e assim
não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados
no seu corpo, porque o pão continua em sua natureza e substância,
semelhantemente ao vinho, e não há mudança ou alteração.
Distinguimos
todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso comum, sendo que
este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é infalivelmente
recebida. Ora, esta recepção não se faz senão por meio da fé e nela não convém
imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer, como santo
Agostinho nos ensina, dizendo: “Porque preparas tu os dentes e o ventre? Crê, e
tu o comeste.”
O sinal, pois, nem
nos dá a verdade, nem a coisa significada; mas Nosso Senhor Jesus Cristo, por
seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz
participantes da sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus benefícios.
Vejamos a
interpretação das palavras de Jesus Cristo: “Este pão é meu corpo.” Tertuliano,
no livro quarto contra Marcião, explica estas palavras assim: “este é o sinal e
a figura do meu corpo.”
S. Agostinho diz:
“O Senhor não evitou dizer: — Este é o meu corpo, quando dava apenas o sinal de
seu corpo.”
Portanto (como é
ordenado no primeiro cânon do Concílio de Nicéia), neste santo sacramento não
devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho, que nos
são neles propostos por sinais, mas levantar nossos espíritos ao céu para
contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado à destra de
Deus, seu Pai.
Neste sentido
podíamos jurar o artigo da Ascensão, com muitas outras sentenças de Santo
Agostinho, que omitimos, temendo ser longas.
VI. Cremos que, se
fosse necessário pôr água no vinho, os evangelistas e São Paulo não teriam
omitido uma coisa de tão grande conseqüência.
E quanto ao que os
doutores antigos têm observado (fundamentando-se sobre o sangue misturado com
água que saiu do lado de Jesus Cristo, desde que tal observância não tem
fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da instituição da Santa
Ceia isso aconteceu), nós não podemos hoje admitir necessariamente.
VII. Cremos que não
há outra consagração senão a que se faz pelo ministro, quando se celebra a
ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem conhecida, a instituição desta
ceia literalmente, segundo a forma que nosso Senhor Jesus Cristo nos
prescreveu, admoestando o povo quanto à morte e paixão do nosso Senhor. E
mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração é a palavra de fé que é pregada
e recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente pronunciadas
sobre os sinais não podem ser a consagração como aparece da instituição que
nosso Senhor Jesus Cristo deixou aos seus apóstolos, dirigindo suas palavras
aos seus discípulos presentes, aos quais ordenou tomar e comer.
VIII. O santo
sacramento da ceia não é alimento para o corpo como para as almas (porque nós
não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo quinto) recebendo-o
por fé, a qual não é carnal.
IX. Cremos que o
batismo é sacramento de penitência, e como uma entrada na igreja de Deus, para
sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão de nossos
pecados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente, só pela morte de
nosso Senhor Jesus.
De mais, a
mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem, representada
pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso Senhor
Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é
ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observaram, usando de
água em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Quanto aos exorcismos,
abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos como tradições
dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por nosso
Senhor Jesus.
X. Quanto ao livre
arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus, teve
liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era
livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este
dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e todos os que
descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem.
Por esta causa, diz
São Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de Deus. E Oséias
clama aos filho de Israel: “Tua perdição é de ti, ó Israel.” Ora isto
entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito.
Quanto ao homem
cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de
vida, nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio, e reforma a
vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução
de boa vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este
santo apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o
querer, mas em mim não acho o realizar.”
O homem
predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia
não pode cair em impenitência.
A este propósito,
S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.
XI. Cremos que
pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da qual, como diz santo
Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele condena ou absolve, não
é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia.
Santo Agostinho,
neste lugar diz que não é pelo mérito dos homens que os pecados são perdoados,
mas pela virtude do Santo Espírito. Porque o Senhor dissera aos seus apóstolos:
“recebei o Santo Espírito;” depois acrescenta: “Se perdoardes a alguém os seus
pecados,” etc.
Cipriano diz que o
servo não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.
XII. Quanto à
imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há necessidade de
conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode dar o Santo
Espírito, porquanto isto só a Deus pertence.
No tocante à ordem
eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela escreveu na primeira epístola a
Timóteo, e em outros lugares.
XIII. A separação
entre o homem e a mulher legitimamente unidos por casamento não se pode fazer
senão por causa de adultério, como nosso Senhor ensina (Mateus 19:5). E não
somente se pode fazer a separação por essa causa, mas também, bem examinada a
causa perante o magistrado, a parte não culpada, se não podendo conter-se, deve
casar-se, como São Ambrósio diz sobre o capítulo sete da Primeira Epístola aos
Coríntios. O magistrado, todavia, deve nisso proceder com madureza de conselho.
XIV. São Paulo,
ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que não lhe
seja lícito tornar a casar, mas o santo apóstolo condena a bigamia a que os
homens daqueles tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento
aos mais versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa fé sobre esse
ponto.
XV. Não é lícito
votar a Deus, senão o que ele aprova. Ora, é assim que os votos monásticos só
tendem à corrupção do verdadeiro serviço de Deus. É também grande temeridade e
presunção do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto que a santa
Escritura nos ensina que a continência é um dom especial (Mateus 15 e 1
Coríntios 7). Portanto, segue-se que os que se impõem esta necessidade,
renunciando ao matrimônio toda a sua vida, não podem ser desculpados de extrema
temeridade e confiança excessiva e insolente em si mesmos.
E por este meio
tentam a Deus, visto que o dom da continência é em alguns apenas temporal, e o
que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os
monges, padres e outros tais que se obrigam e prometem viver em castidade,
tentam contra Deus, por isso que não está neles o cumprir o que prometem. São
Cipriano, no capítulo onze, diz assim: “Se as virgens se dedicam de boa vontade
a Cristo, perseverem em castidade sem defeito; sendo assim fortes e constantes,
esperem o galardão preparado para a sua virgindade; se não querem ou não podem
perseverar nos votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo
da lascívia por seus prazeres e delícias.” Quanto à passagem do apóstolo S.
Paulo, é verdade que as viúvas tomadas para servir à igreja, se submetiam a não
mais casar, enquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se
lhes reputasse ou atribuísse alguma santidade, mas porque não podiam bem
desempenhar os deveres, sendo casadas; e, querendo casar, renunciassem à
vocação para a qual Deus as tinha chamado, contudo que cumprissem as promessas
feitas na igreja, sem violar a promessa feita no batismo, na qual está contido
este ponto: “Que cada um deve servir a Deus na vocação em que foi chamado.” As
viúvas, pois, não faziam voto de continência, senão porque o casamento não
convinha ao ofício para que se apresentavam, e não tinha outra consideração que
cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes permitido casar
que se abrasar e cair em alguma infâmia ou desonestidade.
Mas, para evitar
tal inconveniência, o apóstolo São Paulo, no capítulo citado, proíbe que sejam
recebidas para fazer tais votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que é
uma idade normalmente fora da incontinência. Acrescenta que os eleitos só devem
ter sido casados uma vez, a fim de que por essa forma, tenham já uma aprovação
de continência.
XVI. Cremos que
Jesus Cristo é o nosso único Mediador, intercessor e advogado, pelo qual temos
acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e
por ele já reconciliados teremos plena vitória contra a morte.
Quanto aos santos
mortos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do Reino de Deus,
e que o número dos eleitos se complete; todavia, não nos devemos dirigir a eles
como intercessores para obterem alguma coisa, porque desobedeceríamos o
mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, enquanto estamos unidos como
membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros, como nos ensinam muitas
passagens das Santas Escrituras.
XVII. Quanto aos
mortos, São Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, no capítulo
quatro, nos proíbe entristecer-nos por eles, porque isto convém aos pagãos, que
não têm esperança alguma de ressuscitar. O apóstolo não manda e nem ensina orar
por eles, o que não teria esquecido se fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o
Salmo 48, diz que os espíritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito
durante a vida; que se nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando
mortos.
Esta é a resposta
que damos aos artigos por vós enviados, segundo a medida e porção da fé, que
Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes
produza frutos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar
nela, lhe rendamos graças e louvores para sempre. Assim seja.
Comentários